Norbert Jürgens: “A consciência do público ainda não
está bem desenvolvida sobre como toda esta diversidade de organismos vivos
contribui fortemente para o nosso bem-estar humano porque eles (diversidade de
organismos) estabilizam os ecossistemas.”
Neste post vou tentar discutir um
pouco a noção do valor que podemos atribuir à biodiversidade, uma questão que
ficou em aberto no post anterior.
De acordo com MEA (2005), os vários
componentes da biodiversidade (a variedade, a composição, a abundancia relativa
de espécies e as todas as interações entre si e com o meio ambiente) têm um
papel fulcral nos serviços prestados pelos ecossistemas que afetam o bem-estar
da população humana.
Segundo CBD (2001, apud Freitas, 2012), os serviços
ecossistémicos podem ser divididos em quatro categorias: serviços de provisão,
ou o fornecimento de bens de benefícios diretos para as pessoas, como a madeira
proveniente de florestas, plantas medicinais e os peixes dos oceanos, rios e
lagos; serviços de suporte, que não fornecem benefícios diretos para as pessoas
mas são essenciais para o funcionamento dos ecossistemas e, portanto,
indiretamente responsáveis por todos os outros serviços, tais como a formação
dos solos e os processos de crescimento das plantas; os serviços reguladores, o
sortimento de funções vitais realizadas pelos ecossistemas, que incluem a
regulação do clima por meio do armazenamento de carbono e do controle da
precipitação local, a remoção de poluentes pela filtragem do ar e da água, e a
proteção contra desastres, como deslizamentos de terra e tempestades costeiras;
por fim os serviços culturais, que embora não forneçam benefícios materiais
diretos, contribuem para ampliar as necessidades e os desejos da sociedade, nos
quais se incluem o valor espiritual ligado a determinados ecossistemas, tais
como os bosques e a beleza estética das paisagens ou das formações costeiras
que atraem turistas.
As ameaças existentes que conduziram
e conduzem à perda de biodiversidade e degradação dos habitats naturais levaram
à interrupção dos serviços dos ecossistemas, e consequentemente a custos económicos
e prejuízos sociais (MEA, 2005).
Um dos pontos fulcrais presentes no
MEA (2005) é a necessidade de reduzir a perda de biodiversidade através da
criação legislação de caráter conservacionista, com o cunho da
sustentabilidade, no intuito de proteger e conservar a biodiversidade para as
gerações futuras.
É inquestionável a importância que a
biodiversidade tem nas nossas vidas, e para a nossa sobrevivência, no entanto,
são várias as interrogações que surgem quanto aos valores que estão envolvidos
nestas políticas: Valores éticos ecocêntricos ou valores antropocêntricos? Qual
o valor atribuído à biodiversidade?
Segundo Alho (2008), à importância
dos processos dos serviços ecológicos acrescem argumentos morais, filosóficos,
políticos, económicos e científicos que enfatizam o valor da biodiversidade.
É possível destacar a dimensão ecocêntrica
da biodiversidade, na qual esta possui valor intrínseco por ser parte do mundo
natural, e conservação de espécies, recursos genéticos e ecossistemas é
importante para a manutenção de processos ecológicos (Alho, 2008). Este
argumento ético afirma que a proteção da integridade biológica é moralmente boa,
é baseada no facto de que a perda de biodiversidade nos dias de hoje é causada
por atividades humanas e distúrbios, tendo como consequência a extinção recente
de milhares de espécies.
Os serviços ecológicos fornecidos pela
biodiversidade, dos quais o homem depende, implicam valores estéticos e recreativos,
mas acima de tudo, valores economicistas representados por argumentos de cariz antropocêntricos,
nitidamente utilitaristas (Alho, 2008).
De acordo com Freitas (2012), é no
campo do valor económico que se encontra o maior desafio aos que procuram
justificar a necessidade da proteção da biodiversidade pela enumeração das
vantagens que essa proteção vai gerar às sociedades humanas.
Mas como quantificar economicamente os bens e serviços
resultantes da biodiversidade? Qual o valor económico de um
mergulho na praia da costa da Caparica? Qual o valor de respirar o ar puro da
Floresta Laurissilva da Madeira?
Esta dificuldade está relacionada com o facto da maioria dos
serviços prestados pela biodiversidade não serem diretamente mensuráveis nem
quantificados em termos de mercado económico já que, de acordo com Alho (2008), os preços de mercado podem ser
aplicados quando benefícios diretos da biodiversidade estão envolvidos, ou
seja, quando o consumidor adquire um produto direto da biodiversidade, como
comprar peixe ou vegetais. Quando a perda de biodiversidade está envolvida, as
despesas preventivas ou mitigadoras são aplicadas. Se um determinado
ecossistema está sob ameaça de uma atividade humana, por exemplo, o custo de
implantação de uma unidade de conservação, protegendo o mesmo ecossistema, pode
ser usado para estimar o benefício de sobrevivência desse ecossistema. Esta ideia
não é estritamente para estimar o valor monetário da biodiversidade, mas sim
para fornecer alternativas para evitar perdas. Neste tipo de casos, o valor
final depende da relação mitigação/ compensação, algo difícil de prever. Neste
sentido, é imperativo procurar alternativas para reduzir o impacto sobre a
biodiversidade causado pela atividade humana necessária (ou não!) para o
desenvolvimento económico.
O artigo de Pereira (2009), também
discute esta temática, afirmando que a dificuldade na atribuição de valor
económico aos bens e serviços gerados pela diversidade biológica depende do
tipo de valores em questão:“ (…) estes
têm sido divididos, por autores como Young e Barbier, em valores de uso e valores
de não uso. Entre os valores de uso, os bens e serviços podem ter um valor
resultante do seu uso direto – madeira, caça, turismo, da sua função ecológica
– fotossíntese, proteção contra a erosão, ou por serem um valor de opção. Por
valor de opção entende-se os benefícios ainda desconhecidos da biodiversidade,
como a descoberta de novas substâncias para o tratamento de doenças. Os valores
de não uso separam-se entre valores de existência, como é a satisfação por
sabermos que o Lince-ibérico ainda existe nas serras do Sul de Portugal, ou o
valor de doação, relacionado com a possibilidade de podermos transmitir às
gerações vindouras o mesmo património que nos foi legado.
No sentido de alertar os decisores
políticos, os empresários e o público em geral surge, em 2007, o TEEB (Economia
dos Ecossistemas e da Biodiversidade), um estudo iniciado pelo G8 e por cinco
dos principais países em desenvolvimento, centrado nos benefícios económicos
globais da diversidade biológica, nos custos decorrentes da perda de
biodiversidade e na ausência de medidas de proteção versus o custo da tomada de
medidas eficazes (DGACE, 2011).
O TEEB (DGACE, 2011) enfatiza a
necessidade de perceber o valor do capital natural e integrá-lo nos processos
de tomada de decisão, e em fornecer respostas eficientes e equitativas através
de medidas concretas, tais como: recompensando monetariamente aqueles que mantêm
ou reforçam os benefícios ecossistémicos, tais como o abastecimento de água e a
reflorestação; reestruturando a utilização dos subsídios, que ascendem atualmente
a 1 bilião de dólares por ano, um terço dos quais para apoiar a produção e o
consumo de combustíveis fósseis; adotando uma regulamentação sólida para
estabelecer normas ambientais e regimes de responsabilidade ambiental. O
relatório sugere ainda alargar a cobertura das zonas protegidas, que atualmente
abrangem 13,9 % da superfície terrestre e 5,9 % dos mares territoriais, mas
apenas 0,5 % do mar alto.
No âmbito das políticas ambientais da
proteção da biodiversidade não resisto a colocar neste trabalho as ideias do
biólogo Shahid Naeem’s, segundo o qual o valor científico da biodiversidade e o
conhecimento e compreensão que dai advêm ser essencial na elaboração de
políticas ambientais adaptadas ao real funcionamento das espécies e
ecossistemas, assim como das consequências da perda de biodiversidade nos
ecossistemas (Dybas, 2006).
Em suma, parece-me de extrema
importância para a conservação e proteção da biodiversidade que o seu valor
seja reconhecido numa perspetiva multidimensional que englobe, de forma equilibrada,
os fatores éticos, económicos e sociais, traduzidos em políticas ambientais
sustentáveis e reconhecidas pelos cidadãos no sentido de mudar hábitos,
comportamentos e políticas e inverter o panorama catastrófico que a perda de
biodiversidade implica.
Bibliografia
Alho, C. J.
R. 2008, The value of biodiversity, Brazilian Journal of Biology, 68(4, Suppl.),
pp. 1115-1118
Araújo, M. 1998, Avaliação da biodiversidade em conservação,
Silva Lusitana, 6 (1):19-40.
Barbieri, Edison 2010, Biodiversidade: a variedade de vida no
planeta Terra. Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio do
Pescado Marinho. Instituto de Pesca. APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos
Agronegócios)
Convention on Biological Diversity (CBD) 2001, Global Biodiversity Outlook1 (GBO):
Executive Summary, consultado em 30 de Março de 2013, http://www.cbd.int/gbo1/summary.shtml
Coutinho, P. 2001. O valor da biodiversidade, consultado em 30 de Março de 2013, http://www.comciencia.br/reportagens/biodiversidade/bio12.htm
Direção Geral do Ambiente da Comissão Europeia (DGACE) 2011, Meio
Ambiente para os Europeus: Atribuir um valor à biodiversidade, Revista da Direção Geral do Ambiente,
nº41, pp. 9-10
Dybas, C. L.
2006, Biodiversity: The Interplay of Science, Valuation, and Policy, BioScience, Vol. 56, No. 10, pp. 792-798
Freitas, M. L. (2012), O valor da biodiversidade, consultado
em 30 de Março de 2013, http://jus.com.br/revista/texto/23399/o-valor-da-biodiversidade
Millennium Ecosystem Assessment (MEA) 2005, pp. 1-41. In Ecosystems and Human Well-being:
Biodiversity Synthesis. World Resources Institute, Washington, D.C.
- Pereira, C. 2009, O Valor da Biodiversidade. consultado em 30 de Março de 2013, http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=5432&iLingua=1